Don Giulio é um jovem padre que regressa à sua terra natal, após um período de exilio voluntário, numas das várias ilhas do mediterrâneo (um prenúncio das ilhas de Caro Diario). Nesse regresso é confrontado com várias situações, que vão desde o aborto que a sua irmã pretende fazer, ao abandono da família por parte do seu pai para ir viver com uma miuda 30 anos mais nova, ao isolamento e recusa de viver em sociedade a que um antigo companheiro lutador anti-fascista se resignou, a um antigo camarada que se tornou terrorista e passou das teorias aos actos, acabando preso durante 7 anos. Todas estas situações deixam Don Giulio desgostoso, indignado e à beira de um ataque de nervos.
Deixem-me dizer que parece-me que este é o filme mais semelhante ao magnífico O Quarto do Filho. Semelhante na (quase) ausência de humor, e no tom pessimista que atravessa o filme. Moretti compõe talvez o seu personagem mais complexo até á data. Don Giulio é um poço de contradições, neuroses, fixações, desejos, frustrações e indignações. A violência do seu carácter que vem muitas vezes à tona, alterna entre o perturbante e o patético, mas revela toneladas da revolta interior, que o genial Moretti compõe de forma sublime. Mas ao contrário de Bianca, a violência acaba por não ter consequencias trágicas, sendo nesse aspecto mais optimista. Este é para mim o papel da vida de Moretti, uma vez que mostra que além de Moretti-o-realizador, existe um Moretti-o-actor, que se revela um verdadeiro poço de subtileza e sensibilidade.
Um salto qualitativo em relação a Bianca, é o tratamento que é dado ao personagens secundários. Mais que instrumentos para revelar a natureza perturbada de Don Giulio, eles são o retrato de uma geração à deriva, que fracassou nos seus objectivos sonhadores e lutas inglórias, das quais apenas sobrou uma amargura, que os afasta da sociedade e em último caso da vida. Todos os actores secundário estão perfeitos.
No campo da realização o trabalho de Moretti é como sempre irrepreensível (grande prémio da realização em Berlim). Moretti além de uma impecável direcção de actores e um cuidado narrativo meticuloso, manipula com perfeição os elementos sonoros e musicais, que acabam por complementar o interior dos personagens. Sequência ilustradora disso, é o momento em que o padre aumenta o volume de um rádio até ao máximo, abafando por completo o diálogo da sua irmã, que o confrontava com a decadência familiar da sua família. O escapismo musical tão em evidência em Caro Diario, Abril e La Stanza del Figlio, é aqui aplicado de uma forma ainda mais sublime.
Mas La Messa è Finita não é apenas um filme sobre a decadência de valores morais e ideológicos. Acima de tudo é sobre a ausência de afectos e a solidão (tema recorrente em Moretti) que estão na génese do comportamento bizarro do jovem padre. Há várias cenas que demonstram isso, mas é destacar o final particularmente tocante, em que no meio de um casamento que um derrotado Giulio celebra, os convidados começam a dançar na igreja e que provocam finalmente um sorriso esperançoso, na sua face até aí sisuda. Um final luminoso num filme desencantado e que faz pensar e especialmente, sentir.
Mais uma obra-prima. Grazie Nanni!
2 comentários:
Já antes, na minha opinião, o realizador mostrara que também é um excelente actor.
Mas concordo que aqui é extraordinário.
Abraço cinéfilo
tenho de desobrir a obra anterior josé. acho que a midas vai lançar mais 3 dvds, deste cineasta fundamental. abraço cinéfilo
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