Antes de mais esta 3ª versão cinematográfica, da revolta abordo do navio HMS Bounty, é provavelmente a mais realista de todas. Tanto a versão de 1935 como a 1962 são filmes do seu tempo, e optam por um simplismo de personagens, que nesta versão de 1984, é abordada de forma mais complexa e interessante. Tanto Charles Laughton, como Trevor Howard, criaram um Capt. Bligh, cruel, desumano e virtualmente psicótico. O Bligh de Anthony Hopkins, está nos antípodas dessa abordagem. O seu Bligh é leal, sofre, é corajoso, mas no fim é vítima das suas próprias falhas de carácter. É precisamente neste complexo retrato psicológico que reside muita da riqueza deste magnífico filme.
A história por demais conhecida e simples. Em 1787 a Bounty dirige-se às ilhas do Taiti numa longa e perigosa viagem. No regresso a tripulação liderada pelo imediato Roger Christian, amotina-se contra o progressivamente tirânico capitão William Bligh. Enquanto nas outras versões, Bligh e Christian, são inimigos quase de imediato, em The Bounty, descobrimos que há uma amizade que os une. Essa amizade irá progressivamente deteriorar-se com consequencias dramáticas. A causa é o paraíso selvagem e o amor que Christian descobre na Ilha. Bligh cada vez mais incapaz de liderar e controlar os seus homens, enlouquece aos poucos, revelando uma faceta sádica e brutal. Isto causa a revolta liderada por Christian. Bligh é então abondonado à deriva em mar alto. Por fim consegue regressar a Inglaterra, graças a uma grande persistência e pericia marítima. Christian e os seu homens acabam por se refugiar numas ilhas desconhecidas dos mapas.
A direcção de Roger Donaldson ( No Way Out e 13 Days) é eficaz e muito segura. Apesar dos cenários poderem fazer com que caísse na tentação do filme bilhete postal, Donaldson concentra-se nas suas personagens. Os seus dilemas e conflitos, são o cerne do filme. Mel Gibson aguenta muito bem a sua representação, apesar do enorme actor que é Hopkins, lhe roubar quase todas as cenas. O Christian de Gibson é contemplativo e sereno, mas com uma revolta interior latente, que acaba finalmente por explodir, no momento climático do motim. Quanto a Hopkins, que dizer desse Enorme actor, provalmente já na altura um dos melhores do mundo. O seu Bligh oscila entre a simpatia e a crueldade de forma muito humana e verosimil, num trabalho digno de Oscar. Nos secundários, temos um dos melhores casts de sempre, pois alem de Gibson e Hopkins, brilham e destacam-se Laurence Olivier, Edward Fox, Bernard Hill e muito especialmente Liam Neeson e Daniel Day-Lewis em registos que viriam a comprovar o seu enorme talento. Destaque ainda para a magnífica fotografia, a inspirada banda sonora de Vangelis e para os diálogos brilhantes de Robert Bolt (como curiosidade, Bolt era o guionista de eleição do mestre David Lean, que esteve para realizar este filme).
Um filme de aventuras esquecido a redescobrir, por todos aqueles que gostem de vêr enormes actores ao serviço de uma história bem contada.
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