Dizem que um autor é um realizador que passa a sua carreira a fazer os mesmos filmes, mas com histórias e personagens diferentes. Esses autores têm obsessões recorrentes, que se infiltram nas suas obras e acabam por vir à superfície de forma quase subliminar. Michael Mann é um autor. Quem visita este blogue e quem me conhece sabe o que eu penso acerca do senhor. O que se segue é um apanhado de uma das suas obsessões recorrentes e um enunciado da importância plástica e temática desse elemento na sua obra: o mar no mundo de Michael Mann.

Thief
Após o assalto da sua vida, Frank tem um (curto) momento de felicidade: ele tem finalmente aquilo que tanto procurou e ansiou: uma família. E juntos fogem para uma praia onde a harmonia, o sol e o mar sugerem um momento idílico. O som dos Tangerine Dream e a direcção de Mann fazem desta sequência uma das mais poéticas e líricas desta belíssima obra.

Manhunter
De novo o mar como reconciliação e paz. Aqui a simbologia é mais presente que nunca, pois o filme abre e fecha com o oceano. Se na primeira cena, Graham está perturbado e traumatizado, o facto de estar de costas viradas para o mar não é inocente. Na cena final após a morte do serial killer, ele consegue finalmente contemplar a sua tranquilidade e beleza, junto à sua família e nós sentimos que ele encontrou a tão desejada paz.

Last of the Mohicans
Aqui não temos, o mar, mas temos a água dos rios. O elemento aquático funciona como símbolo erótico e de união entre homem e mulher. Só após a fuga aos ingleses, e depois de encontrarem esconderijo numa gruta oculta por uma catarata (a água protectora) é que Hawkeye e Cora conseguem declarar o seu amor.

Heat
Num filme predominantemente urbano, o mar funciona como sugestão de desejo de fuga e solidão para Neil. É quando está sozinho e a contemplar o oceano, que Neil decide procurar ligar-se a alguém, encontrando na cena seguinte Eady. E quando no dia seguinte Cris lhe diz que Charlene o quer deixar, Neil apoia-o a voltar para ela. O oceano no background é de novo o elemento de sugestão romântica


The Insider
Jeffrey Wigand está no dilema da sua vida, pois não consegue “encontrar o critério para decidir”. Denuncia os seus corrutptos empregadores e pelo caminho perde a sua famíla, ou fica em silêncio, sabendo o custo dessa decisão que lhe fará perder a sua integridade e moral. Após contemplar um calmo oceano, Wigand tem uma epifania descobre a resposta num momento mágico.


AliNão tão presente como nas obras anteriores, mas mesmo assim está lá numa breve cena. A cena em que Ali separa-se da sua segunda mulher é de alguma importância na narrativa. O facto de lá estar o mar, sugere que a água poderá ser símbolo de vida, mas também de ruptura nas relações, sugerindo tal como em Manhunter uma dupla função no cinema de Mann.

ColateralÀ primeira vista parece que está ausente do filme. Mas mais uma vez, o mar está lá. É verdade que apenas numa fotografia. Mas essa imagem tem um poder de escape e de utopia no taxista Max. Não será inocente que essa imagem marítima seja mais uma vez o elemento que junta um homem e uma mulher no cinema de Mann, na cena em que Max oferece a sua preciosa foto a Annie.

Miami Vice
O escape de novo e a consumação de uma marca autoral. A música de moby e a fuga marítima de Sonny e Isabela, criam uma cena transcendente neste belíssimo filme. Mais uma vez um oceano que une dois seres. O mar sugere a utopia e o horizonte de uma vida a dois, uma fuga da realidade para duas almas que afinal são gémeas. Esse lado idílico é destroçado na separação final do casal , quando Sonny contempla a fuga de Isabela num barco que desaparece...no mar.
